De fato, finalmente, compreendo agora as sábias palavras
do nosso fundador, Moysés Azevedo, quando afirma que “o novo que Deus quer
realizar em nós é um novo baseado na pobreza”. Acho que posso começar assim
este pequeno testemunho da experiência que tivemos – Dilma, Ediône, João e Ana
Rita – ao realizar as nossas visitas de evangelização na missão de Chaves.
Depois de caminharmos mais de duas horas a pé,
atravessando igarapé com água na cintura, sem termos a menor experiência,
finalmente chegamos à casa de D. Iolanda, conhecida por todos como D. Mulata.
Surpreendeu-nos o acolhimento, a alegria e a atenção com que esta senhora,
analfabeta, de 84 anos, recebeu-nos.
Quando fomos nos aproximando, ela gritou da janela: “Que
alegria! Shalom na minha casa! Pensava que iria morrer e não veria mais vocês”.
Ficamos espantados com a maneira como ela nos conhecia, pois era a primeira vez
que íamos a sua casa.
Depois, outra surpresa: Ela pegou a melhor água que tinha
na sua casa para lavar os nossos pés e fez questão, ela mesma, de lavar os pés
de cada um. Foi uma experiência muito forte, sentíamo-nos como os apóstolos
que, constrangidos, tiveram os pés lavados pelo Mestre. Estávamos simplesmente
vivendo João 13.
Logo em seguida, ela começou a mostrar-nos a sua casa, um
enorme vão sem divisórias. Iniciou pela parte mais importante: o oratório,
onde, além do crucifixo e de outras imagens, estava pendurado também o rádio,
pelo qual ela acompanhava a Santa Missa.
A partir disso, ela começou a perguntar por cada irmão da Comunidade que havia passado pela sua casa. A cada nome, o nosso coração se enchia de alegria. Queria ter notícias de cada um, Jacqueline, Marcelo, Ana Edite e Nicodemos. D. Iolanda até sabia que Nicodemos tinha uma noiva na época. Que memória maravilhosa!
Orientados pela sua filha para que, se quiséssemos chegar
até a última casa, precisaríamos apressar-nos por causa da maré. Deixamos os
nossos pertences e partimos rumo ao nosso objetivo.
Antes, porém, quando dissemos que ela não precisava
preocupar-se com o nosso almoço porque tínhamos levado nossas marmitas, ela,
ofendida, respondeu: “mas, vocês não vão comer da minha comida? De jeito
nenhum, eu faço questão de preparar o almoço para vocês!” Então, concordamos e
partimos.
Ao retornarmos, havia um grande banquete esperando-nos:
mesa posta, com o cardápio composto de camarão no bafo, macarronada, feijão,
peixe frito, arroz e suco de fruta. Depois do almoço, preparou uma rede para
cada um, para descansarmos um pouco, antes do longo percurso de volta e fez a
seguinte observação: “As redes estão velhinhas, mas estão bem limpinhas”.
Deitamos, cada um numa rede, e ela, talvez por falta de outra, deitou-se no
chão. E, dali, conversou muito tempo conosco.
Finalmente, chegou a hora da despedida e começamos a
agradecer pela acolhida, pelo almoço e pelas redes. Mais uma vez, ela
respondeu: “Não agradeçam, fiz o meu dever!”
Depois disso, ficamos sem respostas, mas tínhamos a
certeza de que ela realmente entendeu “tudo” e voltamos para casa com o coração
cheio de alegria e de gratidão a Deus, que, naquele dia, concedeu-nos a graça
de vivermos concretamente o Evangelho: “Eu vos darei cem vezes mais, em casas,
mães, irmãos...” (Mc 10,30).
Dilma França
Missionária da Comunidade Shalom
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