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domingo, 6 de fevereiro de 2011

Que maravilha! Papai não é perfeito!

Dentre as frases mas famosas de nossa infância, você e eu, com certeza, nos lembramos de algo como: “Se você for bonzinho, Papai do Céu vai ficar feliz!”; “Olha só! O anjinho da guarda está chorando! Você foi mau com seu irmãozinho! Que coisa feia!” Este tipo de frase, repetido à exaustão durante nossa infância, pode ter tido, pelo menos, três efeitos devastadores.
O primeiro é a impressão de que Deus só nos ama se formos perfeitos e se fizermos tudo de forma perfeita. Como sabemos, isto é a mais redonda mentira. O segundo, é a noção de que só seremos amados se formos perfeitos. Isso, infelizmente, é uma tendência de nossa mentalidade egoísta e, portanto, não deixa de tornar-se, na prática, verdadeiro. O terceiro efeito, muito mais sutil que os dois primeiros – e muito mais avassalador do ponto de vista do relacionamento familiar e humano – é o de acreditarmos que só é digno do nosso amor quem é nada mais nada menos que... perfeito!
Cuidado! Não chegue rápido demais à conclusão de que, então, só Deus é digno de amor! Ao ler “perfeito”, leia “como eu quero que a pessoa seja”. Isso, naturalmente, exclui Deus, por três razões: primeiro porque, no amor verdadeiro, aquele que é Deus, toda pessoa é digna de amor. Aquela que não é perfeita, no entanto, é digna de um amor todo especial. Segundo, porque se só sei amar quem é como eu quero, isso exclui Deus, que não é como eu quero, mas é inteira e livremente quem Ele é. Terceiro, porque se estou pronto a amar quem é como eu quero que seja, então Deus também está de fora, pois é a mim mesmo que amo, não ao outro e, portanto, não a Deus.
O amor intolerante, orgulhoso, que exige dos outros a perfeição, não passa de imaturidade espiritual e, portanto, humana. Espiritual porque não entendeu ainda que o amor exige renúncia e vem de mãos dadas com a humildade e a tolerância, para que possa tudo crer, tudo suportar e tudo esperar, inclusive, o nada esperar, o nada exigir do outro. Este “amor” ou forma de relacionar-se é, ainda, imaturidade humana. É o amor do adolescente, que exige que o outro seja perfeito, seja como ele quer e espera que ele seja. À menor decepção, o outro é riscado do mapa dos seus relacionamentos. Seus critérios rígidos de julgamento e crítica não deixam passar o menor vestígio do que ele considere imperfeição. Todos têm de ver as coisas como ele, pensar como ele, agir como ele agiria, pensar como ele pensa, querer como ele quer, seguir o seu método infalível, observar suas regras salvadoras. Quem não for uma projeção da fantasia que faz sobre si mesmo, em sua onipotência orgulhosa e, por conseguinte, cega, não é digno do seu apreço, de sua admiração, do seu assim chamado amor ou amizade.
Os relacionamentos familiares e comunitários tendem a repetir ao infinito este comportamento e mentalidade adolescentes. Irmão, irmã, marido, mulher, pai, mãe, sogro e sogra, cunhados e primos, só são dignos do meu amor, admiração e amizade se forem como quero que sejam. Se forem a encarnação dos meus conceitos e desejos, se preencherem minhas carências de minha própria perfeição, então são dignos de mim, de minha companhia, de minha camaradagem e amizade. Podem contar comigo. Porém, se não forem o que exijo, espero, fantasio e, egoisticamente, desejo que sejam, então, adeus! Vai o marido para um lado e a mulher para o outro, os irmãos, primos e cunhados se mordem e esfolam, pais e filhos desistem uns dos outros, desanimados, idosos inadequados são peremptoriamente abandonados.
A maturidade espiritual e humana, aquela autêntica, que vem do amor, começará a desabrochar quando eu puder dizer: “Ele é diferente de mim. Não pensa como eu penso nem como acho que deveria pensar, não vê o mundo e as pessoas como eu creio que deveria ver, não tem as reações que eu teria ou que acho que ele deveria ter. Que maravilha! Ele não é perfeito! Posso amá-lo! Posso deixar de amar a mim mesmo para amá-lo! Que oportunidade fantástica! Tenho a chance de acolher meu irmão como Jesus o acolhe, como Ele me acolhe: porque sou pecador, porque não ajo sempre como ele agiria, porque não penso sempre como ele pensaria, porque não sou perfeito! Ah! Liberdade das liberdades! Posso, finalmente, amar! Encontrei, finalmente, motivos para amar meu irmão: Ele não é perfeito! Ah! Perfeita liberdade que vem tão somente de Deus!”
Ao ler a vida de santos recentes, como Santa Teresinha, como Giana Beretta Molla, que tanto prezaram a vida de família e os relacionamentos familiares, fico a me perguntar em que ponto de nossa história perdemos o sentido do verdadeiro amor, aquele que é vivido em primeiro lugar na família. Aquele amor que preza e valoriza o sacrifício, a renúncia discreta e escondida, o exigir de si mesmo e não do outro, o dar espaço para o outro e, para isso, perder seu próprio espaço, o aceitar desaparecer para que o outro apareça e entender que, no amor encontramos toda alegria. Onde foram parar as virtudes? Onde está este elo perdido?
Não me sinto capaz de grandes análises. Além disso, não há espaço nem tempo. Sei onde encontrar o elo perdido e como, a partir da família, re-estabelecer ligações eternas. É urgente cavar no Evangelho e na vida dos santos o elo perdido do amor que é paciente e bom, que se alegra com a verdade do amar, com a justiça do sacrifício, com a descrição do escondimento, o Evangelho aplicado à família! Não somente aos monges, não somente aos celibatários, mas às famílias. Famílias que vivam e ensinem a viver a tolerância, a humildade, o tudo suportar, o nada exigir do outro, a acolhida do diferente, morrer para que o outro tenha vida. Famílias-escola de virtudes, de caridade, de maturidade, de fortaleza.
Um dia, quem sabe, voltaremos a ouvir frases como: “Shhh! O papai está dormindo, desliga o teu som!”; “Perdoe a mamãe, ela está preocupada hoje”; “Sei que ele está errado, exatamente por isso precisa do teu perdão. Se estivesse certo, não precisaria, não é verdade?”; “Perdoe, filhinho! Perdão, a gente não merece, a gente recisa...”; “Meu bem, precisamos deixar de trabalhar tanto para ficar mais com as crianças. Não importa se ganhemos menos. Teremos como dar-lhes mais!”; “Que tal a gente congelar este prato para quando o irmãozinho chegar de viagem? Ele é louco por peixe!”; “Tenha paciência, não sei se um dia seu pai vai mudar, mas o seu amor por ele pode mudar tudo”.
Neste dia bendito, quem sabe digamos frases como: “O Papai do Céu vai te amar mesmo se você não for bonzinho, mas, por amor a Ele, que tal não bater mais no irmãozinho?”; “O anjinho da guarda viu que você errou e já está vindo correndo te ajudar!”; “Não é maravilhoso que seu pai pense diferente de nós? Temos uma oportunidade imperdível de amá-lo e nos abrirmos para acolhê-lo!”; “Sei que você não gosta de fazer isso, filhinho, mas se você o fizer por amor a Deus e à sua irmãzinha você terá um tesouro no céu. Você aceita o desafio do sacrifício?”
A exigência de perfeição do outro, a intolerância para com o imperfeito e o diferente de nós são, sem dúvida, chagas provocadas pelo egoísmo que tem início na família. Geram eternos adolescentes a baterem o pé pelo mundo afora, tristemente frustrados consigo e com os outros, ridiculamente exigentes da perfeição alheia. No livro e curso “Tecendo o Fio de Ouro” (curso de cura interior) dedicamos toda a segunda parte a este fenômeno que é, sem dúvida, um dos males mais sutis da cultura ocidental hodierna. É espantoso verificar como as pessoas reagem muito mais forte e negativamente ao fato de não serem deuses, de não serem perfeitas, que a grandes dores do seu passado. As dores servem de desculpa para suas eventuais imperfeições, mas seus limites, necessidades e fraquezas que, admitidos e acolhidos, levariam à humildade, tolerância e misericórdia, são, na maioria das vezes, rechaçados, pois são vistos como prova de que não são dignos de serem amados. A reação inicial dos que fizeram o curso foi tão forte que fizemos uma segunda edição mais esclarecedora e publicamos um livro humorístico, “Joaquim e Sua Padiola”, na tentativa de levar a todos a entendermos que quando somos fracos, então é que somos fortes e quando aceitamos ser fracos, então teremos aberto o caminho para a humildade, tolerância e caridade, para o amor gratuito, fruto de uma libertadora decisão de amar o não amável, o não aceitável, como renúncia livre e amorosa, como exercício maior de amor a Jesus, nosso Esposo.
Na família – quem diria – esconde-se o segredo do amor esponsal a Jesus oculto e revelado em cada homem imperfeito!
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Não quero ter senão somente a Deus!

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